Em meio à guerra, Ucrânia e Rússia assinaram um acordo com a Turquia e Organização das Nações Unidas (ONU) que permitirá a retomada da exportação de grãos e de produtos agrícolas por meio do Mar Negro. A expectativa é de que a medida suavize a grave crise alimentar mundial. O pacto também se impõe pelo simbolismo, por ser o primeiro grande avanço diplomático alcançado por Kiev e por Moscou desde que as forças russas invadiram o território ucraniano, em 24 de fevereiro passado.
Dois textos idênticos, porém separados, foram firmados pelas delegações enviadas pelos presidentes Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky a Istambul para a realização de várias rodadas de negociações e a conclusão do acordo. O governo de Kiev se recusou a assinar qualquer documento diretamente com os russos. Pelos termos do documento, “corredores seguros” serão criados para que os navios ucranianos tenham acesso e saída de três portos do Mar Negro: Odessa e seus satélites Pivdenny e Chornomorsk. Os dois lados do conflito prometeram não atacar os navios de seus oponentes.
Presente na cerimônia de assinatura, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “Hoje, há um raio no Mar Negro: um raio de esperança, um raio de possibilidade, um raio de alívio”. O evento, no Palácio de Dolmabahçe, teve como anfitrião o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. “O acordo aliviará os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”, comentou Guterres. Erdogan acredita que o acordo pode “reavivar o caminho para a paz”.
Durante entrevista coletiva, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, ressaltou o papel da ONU na mediação. “Confiamos na ONU como promotora deste acordo, como instituição e no secretário-geral”, disse. Por sua vez, Zelensky respaldou a fala do chanceler. “Confiamos na ONU. Agora é sua responsabilidade garantir que o acordo seja respeitado”, declarou. Do lado russo, o ministro da Defesa, Sergey Shouigu, assegurou que Moscou não tirará proveito do fato de os três portos ficarem livres de minas e abertos. Até o fechamento desta edição, 25 milhões de toneladas de trigos e de outros cereais estavam bloqueadas na região de Odessa pela presença de navios de guerra russos e de minas.
Professor de geografia e de assuntos internacionais pela Universidade George Washington, na capital norte-americana, o ganense Moses Kansanga classifica como “oportuno” o acordo entre Rússia e Ucrânia para destravar as exportações de grãos. “A guerra expôs milhões de pessoas à fome em todo mundo. Os sistemas nacionais de abastecimento alimentar, especialmente no Hemisfério Sul, foram exigidos além de sua capacidade. Tanto a Rússia quanto a Ucrânia são grandes produtoras e exportadoras de grãos — ambos países respondem por 25% das exportações globais de trigo e por quase 20% das exportações de milho.
De acordo com Kansanga, a completa implementação do acordo assinado ontem e o escoamento de alimentos pelo mercado internacional podem surtir efeitos rápidos. “Deveremos ver uma redução imediata no preço dos grãos, o que significará melhores resultados alimentares para as populações mais vulneráveis. Se as coisas saírem como o planejado, provavelmente começaremos a ver melhoras reais na situação alimentar global dentro de dois ou três meses.”