Foi sepultado na tarde desta quinta-feira (23) o corpo de João Lucas Araújo, de apenas um ano, cuja morte, ocorrida na última quarta-feira (22), em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, levanta fortes suspeitas de negligência médica. Após quase quatro meses de internação e uma série de diagnósticos divergentes, a família acusa o sistema público de saúde de demora na realização de exames e falta de transparência durante o tratamento.
De acordo com os familiares, João e a mãe não residiam em São Gonçalo — estavam apenas em visita a parentes quando o bebê começou a apresentar sintomas em 21 de julho. Na ocasião, o menino foi levado ao Pronto-Socorro Infantil (PSI) da cidade com febre e cansaço. Após um exame de raio-x, os médicos informaram que não havia nada grave, atribuindo o mal-estar a acúmulo de fezes.
No dia seguinte, o quadro se agravou: João amanheceu trêmulo e apático, sendo novamente levado à mesma unidade. Novos exames apontaram infecção urinária, anemia e constipação intestinal, e ele foi medicado com antibióticos. A orientação dada à família era apenas retornar caso o bebê não evacuasse.
Mesmo com o tratamento, o quadro clínico não melhorou. No dia 28 de julho, sem apresentar evolução, João foi levado à Unidade Municipal de Pronto Atendimento (UMPA) de Nova Cidade, onde o diagnóstico mudou novamente — desta vez, para pneumonia. O bebê recebeu soro e passou a usar respirador, mas devido à baixa saturação e dificuldade para respirar, foi transferido de volta ao PSI.
Assim que retornou ao hospital, o menino foi sedado e intubado. Em 13 de agosto, os médicos decidiram extubá-lo, mas familiares notaram lesões na cabeça da criança. Ao questionarem, ouviram que seriam decorrentes da máscara respiratória. Dias se passaram sem que João recobrasse a consciência. Após insistência da família, um exame de ressonância magnética foi solicitado — mas demorou quase duas semanas para ser realizado.

Sem o equipamento em São Gonçalo, o exame foi feito em Itaboraí, apenas no dia 22 de agosto. O resultado, segundo os parentes, só foi obtido porque uma tia de João entrou em contato diretamente com a clínica, que enviou o laudo em poucos minutos por WhatsApp. O documento indicava lesões cerebrais graves. A família suspeita que a demora proposital na entrega do laudo tenha relação com as marcas encontradas na cabeça do bebê.
Em 27 de agosto, um neuropediatra confirmou a gravidade do caso, diagnosticando uma lesão cerebral avançada. A tia afirma que o prontuário registra um pedido de transferência datado de 20 de agosto, o que, segundo ela, demonstra que o hospital já tinha ciência da gravidade antes de informar os familiares.
Após a transferência para uma maternidade em Niterói, os parentes solicitaram acesso a todos os laudos e prontuários no PSI. O hospital entregou um volume extenso de documentos, mas a família, abalada, não conseguiu analisá-los de imediato.

No dia 5 de setembro, João foi transferido novamente — desta vez para uma UTI neonatal particular em São Francisco, Niterói. No novo hospital, apresentou pequenos reflexos e sinais de melhora, segundo os familiares. Apesar dos cuidados intensivos, o bebê não resistiu e faleceu em 22 de outubro.
Desde o início de setembro, veículos de comnucações tentaram obter respostas da Prefeitura de São Gonçalo. À época, o município limitou-se a informar que o paciente estava em “estado grave, porém estável”, e que a família era atualizada sobre o quadro. O Executivo também alegou que o Pronto-Socorro Infantil é uma unidade de baixa complexidade, sem plantões fixos de neurologistas — profissionais que seriam acionados apenas como pareceristas.
Após a morte, o jornal reiterou os questionamentos, mas a prefeitura não respondeu sobre os principais pontos:
-
motivos da demora para realizar e entregar o exame de ressonância;
-
causa das lesões na cabeça do bebê;
-
ausência de reação neurológica após dias de sedação;
-
e se reconhece a possibilidade de negligência médica.
Em nota oficial, a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil afirmou que “todas as medidas, exames e tratamentos necessários foram realizados” e que “a família recebeu suporte e informações durante todo o período”. Disse ainda que o CREMERJ é o órgão responsável por investigar eventuais falhas na conduta médica.
O corpo de João Lucas Araújo foi sepultado na tarde desta quinta-feira (23), no Cemitério de São Gonçalo. A família preferiu não se pronunciar publicamente no local.